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Olavo de Carvalho é um inimigo da fé católica?





1) Olavo de Carvalho defende o liberalismo, sendo assim, é um inimigo da Doutrina Social da Igreja
I - Liberal?
“Embora uma economia de mercado seja claramente menos opressiva para os cidadãos do que uma economia socialista, a liberdade para o mercado não garante automaticamente liberdade para as consciências. Na medida em que der por implícita e automática uma conexão que, ao contrário, só pode ser criada mediante um esforço consciente, o neoliberalismo se omitirá de cumprir o papel que se propõe, de abrir o caminho para uma sociedade mais livre por meio da economia livre: se uma opção econômica se torna o critério predominante se não único a determinar os rumos da vida coletiva, o resultado fatal é que os meios se tornam fins. E o mercado tem um potencial escravizador tão grande e perigoso quanto o do Estado.
...
Mais sábio seria – e tenho de dizer isto, pois no Brasil não se pode descrever um estado de coisas sem que a platéia ansiosa nos cobre uma definição sobre o que fazer – que os adeptos de ambos os partidos, conservando cada facção a pureza de seus pontos-de-vista, concordassem em submeter a disputa ao critério de valores superiores, aqueles que conferem sentido e legitimidade moral a qualquer opção econômica que seja”
CARVALHO, Olavo de. Jardim das Aflições: de Epicuro à ressurreição de César. 3 ed. – com posfácio inédito. Rio de Janeiro: Vide. Página 243
Tal entendimento se alinha com a DSI, tal como na citação abaixo:
“349 A doutrina social da Igreja, ainda que reconhecendo ao mercado a função de instrumento insubstituível de regulação no interior do sistema econômico, coloca em evidência a necessidade de ancorá-lo à finalidade moral, que assegurem e, ao mesmo tempo, circunscrevam adequadamente o espaço de sua autonomia”

II- Defensor da usura?
O objetor comete um erro perdoável ao afirmar que Olavo defende que o pecado da usura é válido dentro de uma sociedade capitalista, porque é o próprio Olavo quem difunde essa ideia imprecisa no texto “Capitalismo e Cristianismo” (https://direitasja.com.br/.../28/capitalismo-e-cristianismo/). Neste texto, o filosofo defende sua tese partindo do princípio de que a usura para a Igreja católica é a mera cobrança de juros, tal como na Idade Média, mas este não é o caso. A usura, tal como definido pelo Catecismo de Pio X, comete-se quando se exige, sem titulo legítimo, um juro ilícito por uma quantia emprestada, abusando da necessidade e ignorância do próximo. Note: não é um mero juro, mas um juro ILÍCITO, com abuso da NECESSIDADE E IGNORÂNCIA do próximo. O mesmo argumento usado para Olavo é utilizado por Orlando Fedeli, ferrenho anti-olavista, para elucidar sobre o que a Igreja diz sobre a usura, a qual ele define como cobrança de juros exorbitantes (http://www.montfort.org.br/.../politica/20040730092717/)
III - Mas o próprio Olavo condenou a Doutrina da Igreja acerca do liberalismo?
A objeção do tradicionalista ao que Olavo falou sobre a doutrina social da Igreja naquele artigo está certíssima, contudo, o próprio Olavo mudou bastante de opinião desde a publicação do artigo ao qual seu questionador se embasa, que é o mesmo citado logo acima, e data 1998. Em outro artigo, datado de 2007, Olavo mostra uma visão diferente sobre o liberalismo, afirmando que este é um momento do processo revolucionária que, por meio do capitalismo, acaba dissolvendo no mercado a herança da civilização-cristã e o Estado de direito (CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. 4 ed. Rio de Janeiro: Record. 2013. Páginas 590 e 591)
2) Olavo de Carvalho é um gnóstico?
I- A idéia de filosofia como unidade do ser na unidade da consciência é uma gnose e leva a afirmação de que "tudo é um", como afirmava o Orlando Fedeli?
A tal unidade da consciência na unidade do conhecimento é o conceito que Olavo de Carvalho deu para a atividade filosófica. Isso significa apenas que a filosofia trata da estruturação simbólica intelectualmente diferenciada na qual o mundo da experiência deve adquirir uma visibilidade, uma claridade, que não tinha nem no material bruto da experiência. Para Olavo, o grande filosofo é aquele que consegue abranger, num olhar unificante, o horizonte de problemas mais amplo e complexo, criando um senso de orientação que permanece útil para muitas gerações subsequentes. Em nada isso se relaciona com a noção de que "tudo é um".
CARVALHO, Olavo de. A filosofia e seu Inverso: e Outros Estudos. Campinas, SP: Vide, 2012.
II - O intuicionismo radical de Olavo de Carvalho é gnóstico?
Novamente, algo que não faz muito sentido e uma confusão sobre o que Olavo entende por intuicionismo. Deixo aqui a explicação de um comentador bem referenciado de Olavo de Carvalho sobre o que é efetivamente o intuicionismo radical, deixando a vocês a possibilidade de explicar o que há de gnóstico nele:
"o contrário do que é comum pensar, o que há de mais objetivo e especificamente humano no conhecimento é o que os antigos lógicos chamavam de “simples apreensão”, ou seja, o ato pelo qual a consciência toma ciência da presença de um determinado dado da realidade. O “raciocínio”, a construção silogística e suas derivadas, é posterior e é uma aptidão de ordem construtiva e, portanto, mais dada a erros. O que é dizer: o homem erra mais na expressão interior do que apreende do que na apreensão em si; pois os métodos mais refinados da lógica apenas desencavam, analiticamente, algo que já estava dado na primeira intuição. E cada intuição, por sua vez, inaugura uma cadeia potencialmente ilimitada de outras intuições; disso trata a teoria da tripla intuição (16): o ato pelo qual o indivíduo intui (primeira intuição) é, ao mesmo tempo, intuição de algo (segunda intuição) e intuição das condições desse ato intuitivo (terceira intuição). Isso explicaria ainda, por exemplo, certos simbolismos naturais, como a identificação do “sol” ou da “luz” com o conhecimento em inúmeras culturas, porquanto em sociedades primitivas, sem o recurso do fogo, só se vê algo – e a visão é o sentido identificado mais diretamente ao conhecimento – quando há luz natural; então o indivíduo percebe que intui, percebe que intui algo e percebe a possibilidade que funda essa intuição paralelamente a uma situação natural. Isso, por fim, afirma a possibilidade de conhecimento objetivo contra todo o discurso contemporâneo de que só existem verdades convencionais, inexistindo as objetivas e, por assim dizer, naturais"
3) Olavo recai na heresia do Americanismo?
Não. A visão exata dele sobre os Estados Unidos é que o país está dividido entre um odioso império maçônico e o povo conservador dos interiores do país:
“A idéia que chegava até mim era a do Império politicamente correto. Um Império que fora criado sob inspiração maçônica, com a idéia de neutralizar as diferenças entre as religiões mediante o recurso do Estado laico, que não toma partido no conflito entre as várias religiões e, justamente por essa razão, torna-se árbitro desses conflitos. Para arbitrar é necessário que o Estado não tenha um conteúdo, uma doutrina religiosa própria. Cria-se então a noção de um Estado teologicamente vazio: uma estrutura puramente político-jurídica, não teológica. Nesse mesmo instante, o pensamento político-jurídico se sobrepõe à religião. A religião torna-se apenas uma questão de preferências individuais e deixa, portanto, de ser uma interpretação abrangente de valor universal e passa a ser apenas a convicção ou crença de determinados grupos. E o que se torna a crença geral, a doutrina da sociedade, é a estrutura político-jurídica do Estado. Nesse sentido, a Constituição Americana está acima de todas as religiões. Ela julga as religiões.
...
Essa imagem, a de que existe uma América esclarecida, progressista, obediente às leis, e outra América bárbara que habita o interior do país, é uma visão invertida, porque nessas regiões que são ocupadas por caipiras e rednecks, a criminalidade é mínima, ou mesmo nula. Ao passo que nas regiões tidas como esclarecidas e civilizadas – as grandes cidades e capitais de estados, como Nova Iorque, Chicago e Washington –, a criminalidade é galopante e incontrolável. A violência está lá, não no interior. E os filmes de Holly wood transmitem uma visão exatamente invertida. Os que eles retratam como caipiras atrasados, violentos e assassinos, são, conforme descobri no interior da Virgínia, onde eu vivo, o povo mais educado, gentil e civilizado do mundo. Ao passo que nos grandes centros urbanos encontramos todo tipo de barbaridade e violência desconhecidos no resto do país. Mais ainda, essa cultura conservadora cristã é apresentada apenas como um resíduo popular, sem uma elaboração intelectual maior. Mas quando se olha atentamente, descobre-se que o vigor intelectual dessa cultura é assombroso
Portanto, a idéia dos EUA como uma república maçônica, empenhada na construção do Estado laico, existe, evidentemente, e é ela que se impõe como imagem da América no resto do mundo; porém, internamente, as coisas não são exatamente assim. Aqui dentro há uma luta bastante equilibrada entre essas duas Américas.”
CARVALHO, Olavo de. Jardim das Aflições: de Epicuro à ressurreição de César. Op. cit. Páginas 298-300
4) Olavo é um defensor do Estado laico?
Não, ele é um crítico. Como podemos ver aqui:
“De um lado, aquela distinção constitutiva do Estado laico foi estabelecida como ato de uma minoria revolucionária contra um consenso anterior fundado na homogeneidade moral da sociedade cristã. Uma vez vitorioso, o Estado laico passa a corroer necessariamente o que possa restar dessa homogeneidade, que para ele representa a origem mesma de toda obstinação “reacionária” erguida contra sua obra modernizante. Dissolvida pouco a pouco a unidade moral do povo, a única maneira de evitar a autodestruição da sociedade pelo caos é transferir para a esfera jurídica os mecanismos reguladores antes operados pelo simples automatismo das tradições arraigadas no senso comum. O que era obediência espontânea torna-se assim controle estatal forçado."
5) Olavo é perenialista?
Não, ele é um crítico do perenialismo, como podemos ver aqui:
"É admissível que, na escalada iniciática do indivíduo, a chegada à Realidade Suprema, que o eleva acima do seu estado individual e o absorve no próprio Ser da divindade, é a culminação dos seus esforços. Ela corresponderia também, segundo o perenialismo, ao momento em que as diferenças entre as tradições espirituais são definitivamente transcendidas, sem deixar de continuar valendo para a existência empírica do iniciado no plano terrestre. É Mohieddin Ibn ‘Arabi sendo cristão, zoroastriano ou judeu “por dentro” sem deixar de ser ortodoxamente muçulmano “por fora”.
Mas, por isso mesmo, a metafísica só pode ser a culminação das tradições enquanto tais se aceitarmos uma indistinção entre a ordem do Ser e a ordem do conhecer, que, segundo ensinava Aristóteles, são inversas. O topo da escalada iniciática não pode ser, ao mesmo tempo, a culminação das religiões porque, sendo comum a todas elas, é apenas o gênero a que pertencem e não a suprema perfeição específica de cada uma.
Mais razoável seria supor que a Tradição primordial é a base comum não só a todas as tradições espirituais, mas a todas as culturas e, no fim das contas, ao núcleo de inteligência sã presente em todos os seres humanos. Partindo dessa base, ou origem, as várias tradições se desenvolvem em direções diferentes, cada uma buscando refletir mais perfeitamente o Princípio absoluto e dar aos homens os meios de retornar a Ele. Nesse sentido, a culminação de cada tradição não é o Princípio em si, mas o sucesso que obtém na operação de retorno. E não há por que supor que, das várias espécies, todas expressem igualmente bem a perfeição do gênero: as pulgas e os leões são igualmente animais, mas nem por isso a pulga expressa a perfeição da animalidade tão bem quanto o leão, para nada dizer do ser humano.
Schuon afirma que a pretensão de cada religião de ser “melhor” que as outras só se justifica pelo fato de que todas elas são “legítimas”, isto é, refletem a seu modo a Tradição Primordial, mas que vistas na escala da eternidade e do absoluto, essa pretensão se revela ilusória.8 No entanto, se a perfeição de uma espécie não pode residir apenas no seu gênero, e sim na sua diferença específica, não há nenhum motivo para dar por provado que todas as espécies representem por igual a perfeição do gênero. Todas as religiões remetem a uma Tradição Primordial, OK, mas todas a representam igualmente bem? A pergunta é inteiramente legítima, e em parte alguma a escola perenialista lhe ofereceu – ou tentou oferecer — uma resposta aceitável. Na verdade, nem colocou a pergunta. Será que até nessas altas esferas encontraremos o fenômeno da “proibição de perguntar”, que Eric Voegelin discerniu nas ideologias de massa?"
6) Olavo de Carvalho abraça René Guénon nos objetivos deste de "renovar" a Igreja Católica?
"Por exemplo, o que ele (Guenon) está entendendo sobre catolicismo tradicional. Aí tem um trabalho imaginário a fazer, e depois esse trabalho imaginário tem de ser conferido com os dados históricos e com o restante dos escritos do Guenon. Ele deixa muito claro que o catolicismo na sua integridade é apenas um exoterismo, portanto, uma religião popular. E que o lado esotérico, o lado interior, a parte principal, está nas iniciações cristãs e que só há, a rigor, duas iniciações cristãs: a companheiragem, que era uma iniciação das comunidades de ofícios, e a maçonaria. Portanto, quando ele fala em restaurar o cristianismo tradicional, significa colocar isto na devida ordem, o esoterismo em cima e o exoterismo em baixo.
Então, evidentemente, a Igreja Católica reencontrará o seu caminho na medida em que ela seguir as orientações da maçonaria. A companheiragem já passou por várias tentativas de restauração, mas não existe mais historicamente. Isso que dizer que o segredo esotérico do catolicismo está com a maçonaria e o catolicismo inteiro é apenas um exoterismo. Então o Papa tem de chegar para o mestre maçom e perguntar o que deve fazer. É claro que isto é empulhação, não há outra maneira de dizer isto, por quê? Supor que existe uma doutrina cristã exotérica ensinada pelo Cristo e que foi passada pelos Apóstolos desde o primeiro dia até hoje, formando o que se chama de sucessão apostólica e que existe outra doutrina interior, mais profunda, que foi passada para a maçonaria, isso é empulhação. O próprio Cristo assegura: ―Eu nada ensinei em segredo, tudo o que eu disse foi em praça pública e estão aqui os discípulos que ouviram‖. Agora, dizer que existiu uma subcorrente esotérica que só foi aparecer no século XVIII na maçonaria? O que é isso minha gente? Isso é um truque, isso é uma empulhação. Isso é absolutamente inaceitável sob todos os aspectos possíveis."
(Curso Online de Filosofia, Aula 19, de 1h20m para frente)
7) Olavo e a maçonaria
I- Afinal, o que Olavo entende por "maçonaria"?
Ele entende que a maçonaria trouxe diversas coisas negativas ao mundo e deve ser entendida menos como um projeto claro de dominação do que uma instituição onde as pessoas se digladiam pelo poder:
"Não acredito nessa lenda urbana de que a Maçonaria “dirige” em segredo todas as correntes políticas. Ao contrário, todos os conflitos entre correntes políticas COMEÇAM dentro da Maçonaria e depois se exteriorizam até mesmo em formas violentas. Na Revolução Francesa o rei e os revolucionários eram igualmente maçons — o que não impediu que estes cortassem a cabeça daquele. Do mesmo modo, nosso imperador era tão maçom quanto os republicanos que o derrubaram. A Maçonaria não é o comando da guerra, é o campo de batalha apenas."
(Comentário no Facebook do dia 6/04/2020)
II- Para Olavo, assim como para Guénon, a maçonaria deve ter um papel de "renovar" o Cristianismo?
"O que é que é para fazer com um sujeito que diz uma coisa dessas? É dar-lhe um tapa na cara. Guenon está mentindo. Embora seja uma figura intelectual de nível altíssimo, ele se deixa trair pelos objetivos não declarados da obra dele. E quando o Schuon volta da Argélia, transformado em Sheik da tariqa fundada pelo Sheik al-Alawi, e diz: ―Eu vou islamizar a Europa‖, Guenon disse: ―Este é o primeiro e único resultado obtido pelo meu ensinamento‖. Portanto, o catolicismo que ele queria restaurar era o catolicismo maçônico. Ora, isso aí é absolutamente inaceitável. Você supor que é a maçonaria que tem o verdadeiro segredo interior do cristianismo, e que toda a sucessão dos santos, mártires, místicos, etc. conhecia apenas a parte exotérica. Não faz sentido. Mesmo porque Guenon vai dizer que a obra de São Tomás de Aquino é aquilo que mais se aproxima da pura doutrina esotérica hindu no Ocidente. Mas isso está tão desengonçado que não é possível uma distração, o cara está mentindo mesmo. É uma situação muito bem arquitetada, mas profundamente desonesta."
(Curso Online de Filosofia, op.cit.)
8) Olavo é um neocon/sionista radical que prefere defender o interesse dos judeus ao Brasileiro?
Não. Em fato, esse tipo de acusação me gera grande estranheza, porque os comentários sobre judaísmo e Israel são bastante marginais em sua obra, enquanto a defesa do Brasil é um elemento bastante central. Seria interessante alguém provocar ele a fazer mais comentários sobre o assunto, já que a alt-right americana vem levantando críticas interessantíssimas sobre o tema, que será inescapável no futuro. Particularmente, acho que alguém deveria organizar um debate entre ele e o E. Michael Jones sobre judeus, geopolítica e revolução.
Feito essas ponderações, é possível delimitar mais ou menos a opinião de Olavo: apesar de nutrir um grande respeito pelos judeus, simpatizar pelos sofrimentos que foram impostos a eles durante o período do holocausto (coisa que todos os Papas fizeram no século passado) e defender a importância geopolítica do Estado de Israel, Olavo é bem claro em entender que os judeus podem ser criticados e que:
"É também absurdo rotular indiscriminadamente como preconceito' qualquer opinião contra os judeus. Preconceito é opinião pré-conceitual, impensada, irracional. Um homem pode perfeitamente chegar a conclusões desfavoráveis aos judeus por meio de reflexão, de pensamento conceitual, mesmo que falhe e se afaste da verdade. Que uma opinião seja errada não significa que seja preconceituosa nem irracional. Esse uso da palavra preconceito”, tão disseminado hoje em dia pelos movimentos de minorias, é uma manipulação desonesta do vocabulário, que visa a criar justamente um preconceito, uma repulsa prévia e irrefletida a
certas opiniões e até às palavras que as designam, de modo a fazê-las rejeitar sem exame.
A mim, por mais que me repugne o antisemitismo de modo geral, me parece igualmente repugnante a manipulação das consciências pela distorção do vocabulário — uma técnica em que os nazistas e comunistas foram mestres consumados.
[...]
Quando vejo um intelectual judeu verberar o antisemitismo no mundo ao mesmo tempo que corrói pela crítica malévola ou pela indiferença patológica as tradições religiosas em que seu povo funda sua unidade milenar, pergunto-me se não há hipocrisia em tanto ódio ao mal desacompanhado do correspondente amor ao bem. A mania investigatória que busca sinais de antisemitismo por toda parte é, no fundo, um sinal de má consciência, daquela má consciência que, para ocultar suas culpas, sai acusando o mundo.
E a culpa dos judeus é clara e inequívoca: eles abandonaram o espírito da sua religião, tornaram-se interiormente divididos e inseguros, distanciaram-se a tal ponto de tudo o que enobrecia a sua cultura e fazia dela uma guardiã do sentido da vida, que hoje dificilmente conseguem escapar da oscilação entre dois extremos: ou aderem ao modernismo ateu, ou, quando se apegam à religião, é para rebaixá-la a um fundamentalismo rancoroso, fanático e assassino104. Quanto a esta última alternativa, cabe lembrar: ninguém neste mundo está imunizado por garantia divina contra a contaminação de uma mentalidade nazifascista: muito menos aqueles que ontem foram vítimas dela. O homem perseguido, seviciado e traumatizado tende, por uma compulsão inconsciente quase irresistível, a incorporar os traços do seu perseguidor, disfarçando-os sob um discurso contrário. Mas isto é uma forma de possessão demoníaca a que uma consciência alerta deve resistir com todas as suas forças, para não perder, em nome da revolta, o senso de justiça que dá sentido à revolta mesma: propter vitam vivendi perdere causas.
E quando um investigador armado de suspicácia até os dentes vem rebuscar picuinhas para lançar a pecha de antisemita sobre todo um país onde os judeus tiveram a melhor recepção deste mundo, só posso lhe responder que ele conhece melhor o cisco que está no nosso olho do que a trave que está no seu. Um verdadeiro amigo dos judeus não deve lisonjear as suscetibilidades neuróticas do seu patriotismo exasperado, mas ajudar a defender os valores
eternos e universais do judaísmo, que tanto foram vilipendiados no passado pelo antisemitismo militante, como hoje pelo cinismo blasé dos intelectuais materialistas, judeus ou não, e pelos que, de outro lado, prostituem sua religião ao fanatismo nacionalista. E nenhuma acusação lançada ao passado de outros povos pode disfarçar o mal que os judeus do presente estão fazendo a si mesmos.
Se os judeus estão de fato investidos de uma missão profética, se de fato lhes incumbe ser, como pretendia Herder, os pedagogos do gênero humano, então, pelo amor de Deus, que não ensinem ao gênero humano nem aquele materialismo pseudocientífico que gerou e sustentou a ditadura soviética, nem aquele ressentimento que ontem produziu o nazismo e, hoje, deseja eternizar os conflitos no Oriente Médio".
CARVALHO, Olavo de. O Imbecil Coletivo. 7.ed. (s.l.): Faculdade da Cidade, 1999. Páginas 165-169. Observação: Esse texto não é exaustivo em nenhum dos temas, mas tem apenas a serventia de desmontar alguns espantalhos e possibilitar um debate público mais honesto sobre o tema

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