Para entender o simbolismo de uma perspectiva espiritual, a realidade factual deve sempre ser interpretada como uma expressão da verdade metafísica. Assim, sempre se deve olhar além da dicotomia das interpretações literais versus figurativas ao ler a Bíblia. Como demonstrado ao longo deste comentário, um passo importante para substituir uma interpretação figurativa por uma simbólica é redescobrir o vocabulário de uma “linguagem da criação” arcaica.
Caso contrário, supor que uma interpretação literal seja simplesmente ingênua, porque não existe um mapeamento individual entre os conceitos modernos e seus colegas antigos. Por exemplo, conceitos fundamentais como espaço, tempo, matéria, luz e água não se referem às mesmas realidades que suas versões materiais. Além disso, essas discrepâncias se estendem a todos os conceitos da Bíblia, de modo que qualquer alegação ingênua de
interpretação deve ser tratada com cautela.
Dada uma compreensão adequada dos antigos conceitos cosmológicos, a dualidade de uma interpretação figurativa contra uma interpretação literal geralmente se resolve. Por exemplo, uma vez que o conceito de tempo tenha sido definido de acordo com uma perspectiva arcaica, a interpretação da cobra na história do Jardim como um símbolo do tempo não precisa mais ser considerada uma alegoria ou metáfora. De fato, como a causa da transformação nessa narrativa, a cobra é um exemplo da influência do tempo dentro dos limites do Jardim.
O aspecto mais importante da visão espiritual do mundo é a capacidade de descrever o universo como uma série de microcosmos incorporados, onde os mesmos princípios cósmicos são expressos em diferentes escalas da realidade. Devido a essas analogias, uma história que descreve eventos em uma escala pode ser interpretada “simbolicamente” como apontando para eventos em outras escalas também. Essa capacidade de expressar simultaneamente verdades em diferentes níveis é a principal razão pela qual as narrativas bíblicas transcendem a dualidade de interpretações literais e figurativas. Este parece ser um passo necessário para salvar a cosmologia bíblica da visão científica do mundo.
(Matthieu Pageau, Language of Creation, P. 284-285)
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