“Antes do começo, havia o amor. Tudo que veio a ser veio a ser através do amor, e sem o amor, nada do que foi desde o começo, ou que é hoje, ou que será para sempre, teria vindo a ser. Logo no começo da existência estava o amor; a base de todo o universo – suas leis e padrões – é o amor. Quando tudo acabar, apenas o amor restará; tudo que não for amor há de perecer”.
São Charbel Makhlouf
Hoje se fala muito que estamos em meio a uma “guerra cultural”. Essa tal guerra cultural é um conflito caracterizado como um tipo de reação por parte das forças conservadoras de nossa sociedade ao ataque sistemático promovido por forças do Grande Capital e do Comunismo Internacional contra os valores culturais tradicionais do Ocidente, ataque esse que se convencionou chamar de “contra cultura”. Woodstock, a revolução sexual, os beatniks, a tropicália, o politicamente correto, as religiosidades de “nova era” e outros ataques aos costumes foram tomados com demasiada inocência no início pelos seus adversários naturais, mas eventualmente essas iniciativas conquistaram um ganho político incalculável que não mais poderia ser subestimado.
Eis então que as pessoas de direita tomaram consciência do assunto e vem a alguns anos falando da urgência de se travar uma “guerra cultural”. Contudo, como as pessoas resolveram se preocupar com a situação cultural do país somente devido as consequências políticas dessa movimentação cultural, parece que o caminho se desviou desde um problema cultural para um político. Em resposta a cultura pop de esquerda, tenta-se criar uma cultura pop de direita. A lacragem se converte em mitagem. O funk dedicado ao Lula se transformou no funk dedicado ao Bolsonaro.
Se por um lado eu não nego que é uma estratégia eficiente para obtenção de cargos e vitória em eleições, por outro eu me pergunto se a vitória é de um partido ou da nação. Se o grande edifício cultural em que se edificou a nossa sociedade foi fragilizado devido aos ataques de seus oponentes, não basta atacá-los de volta para resolver o problema. Esse edifício também precisa de reparos e do desenvolvimento de defesas melhores.
Eis ai o grande problema: devido à visão de mundo estreita e politizada, perdemos de vista por completo o objeto valioso ao qual estamos em busca de proteger. O fato de que as forças da dissolução atacam a cultura em nome da politização não implica que a defesa da cultura possa utilizar das mesmas armas que as forças da dissolução. Pelo contrário, no exato momento em que se politiza a cultura para o lado oposto, as forças da dissolução prevalecem, já que a própria cultura acabou reduzida novamente em nome de sua politização. É como tentar abater um homem bomba se explodindo primeiro que ele.
Frise-se aqui a necessidade do foco ser na riqueza intrínseca ao bem cultural. O essencial da defesa e da guerra em defesa da cultura é que ela deve visar à produção da riqueza cultural. Trata-se de um bem que se manifesta no âmbito da qualidade. Contudo, quando o foco da qualidade é deixado em segundo plano e enfatizado o aspecto político da questão, acaba-se por esquecer a natureza do conflito e fazer com que o próprio defensor seja um instrumento para destruição da cultura.
Nossa cultura está num momento de crise, ou melhor, de diácrise, de progressiva separação entre os elementos que lhe são essenciais. Obviamente que quanto mais essa separação aumenta, mais a cultura há de se despedaçar e desfigurar até o ponto da dissolução da sociedade Brasileira. A separação e a rejeição do outro leva ao ódio e a indiferença, já o ódio e a indiferença levam a violência e a omissão ante as injustiças.
Eventualmente esses efeitos da diácrise se tornarão intoleráveis e vão exigir uma medida energética para que se imponha uma união. Uma união forçada e sem laços naturais é necessariamente uma união baseada na força bruta ou, para deixar mais claro, será uma imposição de ordem baseada em um comando francamente ditatorial. Um dos lados do conflito haverá de impor-se sobre o outro, sob pena do sofrimento se estender indefinidamente.
Com isso não devemos nos iludir com as propostas artificiais de sincríse, ou seja, de união através do esquecimento de nossas diferenças, tais como as propostas pelos multiculturalistas. Não adianta entronizarmos a tolerância como o valor máximo e fecharmos os olhos para os antagonismos que nos caracterizam. Somos diferentes, porém a maior riqueza da humanidade está presente antes em cada ser humano individuado do que numa massa amorfa chamada “humanidade”. Ninguém se sente a vontade em sacrificar o que tem de mais rico em nome de algumas regras arbitrárias de tolerância. Isso jamais vai unir as pessoas verdadeiramente. Afinal, quem se reuniria ao redor de um grande nada ao custo do que se tem de melhor!
Não existe casamento sem duas pessoas diferentes para se amar mutuamente. É pressuposto para o amor que haja diferença. Mas para que relevemos as coisas que não gostamos acerca de nossas diferenças, devemos acreditar que essa relação nos traz algo de rico que as compensa, algo que transcende o incômodo com o outro, assim como minha satisfação solitária. O amor e a união entre os diferentes são o resultado de ambas as partes verem algo que os transcende naquilo, algo que os enriquece e que eles não teriam sem essa união.
E é assim que temos o caminho perfeito para falar de guerra cultural. Produzir bens culturais é sobre produzir riqueza para o espírito humano, produzir essa coisa que nos une dentro de uma comunhão de interesse comum neste bem que enriquece a todos. Todas as nações do mundo foram erigidas ao redor de bens culturais elevados comuns, sejam eles filosofias, religiões, mitos ou coisas similares. O que está sob ataque na guerra cultural não é o inimigo da próxima eleição para vereador, mas sim os bens espirituais mais ricos que temos e que nos unificam dentro de uma comunhão comum de valores que acaba gerando a civilização. Essa é a verdadeira questão!
Se alguém quebra a janela de sua casa, ela não vai estar ali de volta espontaneamente só porque você puniu quem a quebrou, mas sim quando você der um jeito de consertar a janela quebrada ou substituir por uma nova. Eu não nego de forma alguma a importância da guerra política, mas a guerra política é algo de momento e, no fim do dia, é a alta cultura que fica, são os laços de amor em volta da riqueza espiritual que fica.
Veja, eu não estou falando aqui que esses são laços de amor banais do tipo segurar as mãos e cantar “imagine” com roupas brancas e cobertura da globo. Estou falando de um amor muito profundo, que é o amor ao que é bom. Estou falando do amor à sabedoria, à beleza, ao bom e ao justo. O amor ao bem é o que une uma nação! A inverdade, o feio, o mal e o injusto só podem ser suprimidos por algo que é seu contrário em maior nível, se assim não for, trata-se de um jogo de soma zero.
Deixemos
então de lado as vãs fofocas e disputas políticas. O tempo levará
ao esquecimento todos os políticos e autoridades, mas jamais poderá
acabar com o princípio de toda criação, o logos de toda a
existência, que é o amor. Sem o amor ao bom, a guerra cultural está
perdida e toda riqueza cultural humana terá um destino único:
perecer junto a tudo que não é o amor.
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