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Ponderações sobre a resposta de Gaião: onde eu errei, onde ele errou e porque isso não favorece em nada a questão do iconoclasmo

O sr. Gaião aparentemente ficou inconformado com o fato de que coloquei em circulação um dos trechos de Agostinho com alguns grifos para sinalizar a obviedade de que o texto em nada se refere a uma proibição ao uso de ícones em geral, mas uma ponderação sobre determinados tipos de ícone. No fim do meu texto, está escrito: "Pode-se ver claramente que a preocupação de Santo Agostinho aqui é com o ensinamento do ícone e não com o ícone em si" e isso aparentemente não foi posto em questão. Vou fazer minhas ponderações na mesma ordem do que ele quis pontuar.

- Primeiramente, ele aponta que seus opositores não chegam a um consenso sobre como interpretar a passagem. Infelizmente para ele, ninguém propôs aqui a unidade de fé entre todos os opositores do Gaião. Em suma: "e daí?"
- Independente da posição vitoriosa, nenhuma das possibilidades em disputa leva a noção de iconoclastia, tal como ele desejaria: estando certa a minha interpretação original, fica delimitado que Agostinho apenas queria que os ícones fossem mais claros; caso esteja certo o sr. Luis Mariano, afasta-se os ícones de deus-pai; caso esteja certo o sr. Gaião, a proibição parece restrita aos ícones de Cristo quando representado em sua glória. Em todos os casos, trata-se de uma condenação a um ícone específico e não aos ícones em sentido amplo.
- Quanto ao ponto "1", GAIÃO ESTÁ CERTO. De fato, a interpretação que dei sobre o ícone representar Jesus Cristo de joelhos foi precipitada. Apesar da palavra "assentar" possuir outros significados que não "sentar", outros tradutores simplesmente falaram em "sentar" (Paulus) ou "to sit" (New Advent). Também afirmo que essa é a interpretação mais coerente com o Credo "está sentado a direita do pai".
- Quanto ao ponto "2", GAIÃO ESTÁ EQUIVOCADO. A passagem em questão não está em um tratado sobre ícones, mas em um tratado sobre como Cristo aparenta após a ressureição com seu corpo glorificado e sentado a direita do pai. Naturalmente que isso não tem NADA A VER com o Cristo encarnado que reza no Getsêmani e que foi visto publicamente pelos seus conterrâneos.
Diz Agostinho no fim do capítulo que precede o da citação:
"Contudo, é vã curiosidade querer saber onde esteja e como seja o corpo do Senhor nos céus [...] Não pertence à nossa fragilidade discutir os segredos dos céus, mas é da nossa fé meditar profunda e respeitavelmente a respeito da sublime dignidade do corpo do Senhor".
No próprio capítulo:
"Assim também não se deve pensar em Deus Pai como delimitado em forma humana, de modo que, refletindo sobre Ele, nos venha em mente um lado direito e um lado esquerdo; e também não se deve pensar que Ele, que se senta à direita do Pai, o faça com os joelhos dobrados para que não caiamos no sacrilégio que o Apóstolo execrou naqueles que transformam a glória de Deus incorruptível em uma imagem de homem corruptível"
- Isso inclusive dá um sentido muito mais inteligível do que iconoclastia a passagem de São Paulo a qual Santo Agostinho cita:
"E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis".
Romanos 1:23
Para ficar ainda mais claro ao que Santo Agostinho se refere ao citar São Paulo aqui, vamos a uma passagem onde este fala sobre a ressureição:
"Assim também a ressurreição dentre os mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção".
1 Coríntios 15:42
- Por fim, ele diz que deveriamos comparar essa passagem com outras referências bibliográficas. Escolho duas para que vocês tirem suas próprias conclusões, uma delas de uma historiadora protestante e outra do próprio Santo Agostinho:
"Uma vez que a arte começou a aparecer, ela se tornou imensamente popular e influente, já que é amplamente dispersa e copiada por outros, primeiro próximos e depois distantes. Ao mesmo tempo, sabemos que as autoridades eclesiásticas tinham uma preocupação contínua com o problema da idolatria, não identificada com a feitura de imagens, mas talvez relacionada a ela. A arte, em particular a arte feita para um contexto religioso, era algo que, embora permitido, exigia gerenciamento e controle para garantir que fosse compreendido em seu sentido adequado"
Robin M. Jensen, Face to face: Portraits of the Divine in Early Christianity, p. 18-19
"... em relação a quadros, estátuas e outras obras deste tipo, que pretendem ser representações de coisas, ninguém se confunde, especialmente se forem executadas por artistas qualificados, mas cada um, assim que vê as semelhanças , reconhece as coisas das quais são semelhanças. E toda esta classe deve ser contada entre os artifícios supérfluos dos homens, a menos que seja uma questão importante indagar a respeito de qualquer um deles, por que razão, onde, quando e por cuja autoridade foi feito".
Santo Agostinho, Da doutrina Cristã, 25, 39

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