Muitos estão vendo, em choque, a maneira pela qual as grandes empresas capitalistas estão atacando de maneira violenta as bases do próprio sistema que dá sua base de sustentação, o Estado de Direito e a livre iniciativa. O capitalismo não deve ser visto apenas através de seu aspecto econômico, sendo de vital importância analisá-lo no contexto em que se insere dentro do sistema vigente, que abrange não só as relações econômicas, mas também se expande para a política e outras realizações culturais que são provocadas pela mentalidade que ele cria. Percebendo isso, o caminho para compreender o que está acontecendo parece mais claro.
O capitalismo que, por sua necessidade interna, quantificou toda a economia para que pudesse fazer estimativas racionais sobre o custo e o lucro, também foi responsável pela subjugação de todos os aspectos da vida humana ao seu método, desde suas práticas médicas, até mesmo aos seus ideais mais abstratos de beleza e justiça. O modelo econômico industrial moderno não é apenas uma aplicação da ciência, mas também é a razão de ser e a própria justificação dela. O próprio modelo exige a racionalização do comportamento social.
Essa racionalização da humanidade, trazida para o contexto do Direito, repercutiu em sua aproximação com o pensamento sistemático. A teoria jurídica moderna conseguiu transformar o conjunto de regras que compõem o Direito em regras técnicas controláveis na comparação das situações vigentes com as situações idealmente desejadas. Tal processo histórico de racionalização atingiu sua maturidade nas famosas codificações napoleônicas, que são marco do início da ciência contemporânea do Direito. Esse também foi um marco para a sociedade burguesa triunfante, que exprimia suas aspirações e balizava seus interesses em leis de grande perfeição formal, segundo os ditames da liberdade de iniciativa, segurança, certeza, clara definição de direitos, deveres, faculdades e sanções. Era esse o interesse da burguesia porque, antes dessa codificação, o Direito era fragmentado em vários sistemas particulares, variáveis por região e grau de hierarquia, muitas vezes em conflito entre si, o que facilitava abusos e fraudes por parte dos aplicadores da lei, algo pouco interessante para quem pretendia vender seus produtos ao redor de um território.
Apesar
disso, as conquistas do capitalismo são, ao mesmo tempo, as razões
de sua queda. Suas conquistas servem para
destituir o empreendedor de sua utilidade. Uma vez que a
empresa capitalista passa a automatizar a economia e o Direito, se
esvazia a figura do empreendedor diante do procedimento burocrático
e do resultado calculado. Dessa forma,
o progresso do capitalismo naturalmente tende a engolir muitos
pequenos produtores, comerciantes e trabalhadores, incapazes de se
adaptar ou indispostos com o sistema, cada vez mais impessoal e
complexo, seja em seu ambiente natural de competição ou em sua
relação com o Estado, relegando-os a informalidade. Assim, é patente que a situação em que vivemos é aquela onde o sistema se tornou um mecanismo tão sofisticado que apenas empresas gigantes e impessoais conseguem operar com naturalidade, acumulando uma quantidade poder antes inimaginável e suprimindo aquilo que está alheio a grande engrenagem.
O espírito humano que oxigena o sistema capitalista desde seus primórdios é, pelo mecanismo próprio do sistema, estrangulado pela própria criatura a quem dá sustentação.
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