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Ex-estudante de filosofia comenta sobre o fim do financiamento das ciências humanas dentro das universidades públicas

 Anda circulando por ai um boato de que estão planejando tirar as disciplinas das chamadas "ciências humanas" de dentro das universidades publicas. Como ex-estudante de uma federal de filosofia, talvez minha opinião possa importar.


Ao meu ver, não há mais nenhuma razão para que o governo mantenha-se subsidiando o ensino de grande parte das humanidades. Graças a internet, o custo para você ter uma formação nessas matérias se tornou tão baixo que o incentivo estatal parece fútil. Em poucos cliques é possível ter acesso gratuito aos clássicos, assim como é possível ingressar no curso de grandes e renomados filósofos de forma por valores menores do que o custo e desgaste mensal de deslocamento para a sua instituição de ensino.

Somando-se a isso, devo ponderar que a manutenção de uma estrutura subsidiada pelo governo para o ensino das humanidades pode comportar estímulos perversos. Um deles certamente é fazer os intelectuais se isolarem do resto da sociedade como se estivessem tratando da humanidade da mesma forma que um engenheiro estuda o motor de um carro. Lembro-me bem das situações engraçadas em que tive de pegar carona com alguém de fora para ir para faculdade, e, chegando lá, essas pessoas se chocavam com o descompasso entre o mundo normal e o mundo de dentro daqueles portões. "Parece um portal que leva você para woodstock nos anos 60", "parece que você entrou no QG de uma guerrilha" e outros comentários do tipo eram frequentes. Verdade seja dita, muitas doutrinas ensinadas nas universidades são francamente inúteis ou daninhas e se não existisse um governo subsidiando e oferecendo prestigio a intelectuais de uma maneira fria e burocrática, provavelmente eles teriam que procurar outro ofício.

Por outro lado, até mesmo para não ser inteiramente unilateral, a extinção desses espaços também me preocupa sobre alguns sentidos. Não tenho como mensurar a quantidade de atividades importantes que foram delegadas as universidades públicas em anexo ao ensino. É muito comum que existam determinados departamentos da universidade dedicados a preservação de nosso patrimônio histórico e cultural que dificilmente poderiam se manter sem apoio governamental. Pensar em tirar esse dinheiro das humanidades sem ponderar isso pode ser um erro histórico.

Outro aspecto importante é a própria dinâmica da ameaça aos novos espaços que estão sendo criados para difusão de conhecimento. Sabemos bem que já faz um tempo que se começou uma censura intensa de conteúdos na internet sob o pressuposto de combate as "fake news" e "discurso de ódio". Soma-se a isso o fato de que existem grandes corporações que não medem esforços em depositar milhões para propagar doutrinas que sejam favoráveis aos seus interesses escusos, mesmo que em detrimento da humanidade. Hoje a internet ainda é um espaço mais livre para a iniciativa intelectual do que uma universidade, mas por quanto tempo as coisas assim permanecerão?

Comentários

  1. Oi, eu vi seu blog e achei otimo suas refutaçoes ao protestantismo. Recentemente eu estava navegando pela internet e eu vi que pedro gaião fez um post refutando a crença das imagens na igreja primitiva. Não sei se seria incômodo, mas você poderia refuta-lá?

    https://flancosdeferro.blogspot.com/2020/07/da-necessidade-de-apostolicidade-porque.html

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